Cientistas portugueses alertam deputados para a mudança climática

No que respeita a mudanga climatica "pode ainda não haver certezas absolutas, mas há cada vez menos incertezas". Por isso, os problemas do ambiente ja não dizem respeito ao nosso quintal, pela simples razão de que "o quintal passou a ser o planeta inteiro". Esta tese foi defendida pelo físico da Universidade de Coimbra, Carlos Fiolhais, num encontro entre cientistas e deputados realizado esta semana na Assembleia da República. A iníciativa, agora na sua segunda edição, remonta a Novembro de 2005, denomina-se 'Cafe de Ciência' e foi levada a cabo no ambito do Programa Ciencia Viva. Decorrendo o encontro na Biblioteca do Parlamento com a presença de deputados das diversas bancadas, Fiolhais chamou ainda a atenção para o seguinte: se o efeito de estufa ou a alteração climática sao globais, o poder político continua a ser local. 0 que significa caminho aberto a todos os egoismos nacionais, como se viu na recusa de alguns paises-chave — a começar pelos EUA — em ratificar o Protocolo de Quioto.

A este propósito, Alexandre Quintanilha, director do Instituto de Biologia Molecular e Celular do Porto, chamou a atencão para a fragilidade da posição dos paises desenvolvidos: embora representem apenas 1/5 da humanidade, gastaram os recursos do planeta a seu bel-prazer para se desenvolverem, e pretendem agora impor contenção e preços altos de energia aos outros 4/5, quando estes ainda lutam por sair do subdesenvolvimento.

Dilemas éticos à parte, é o próprio planeta que nao parece capaz de aguentar o prosseguimento deste modelo energético. Isto mesmo realçou o ex-deputado europeu Carlos Pimenta, ao dizer que "a Idade do Fogo acabou". E precisa "outra revolução industrial", o que passa pela "des-carbonização da economia". 0 próprio paradigma da rede de distribuicão de electricidade tem de mudar: em vez de produção a irradiar de grandes unidades centralizadas, um agregado de microredes com produção própria. "Isto está para a energia como o Youtube para a Internet...".

De resto, energia não e só electricidade, como alertou Colares Pereira, especialista em gestão energética. Em Portugal, a electricidade representa apenas 20% da energia final consumida. 0 desperdicio mais gritante está nos outros 80%: casas mal isoladas e climatizadas com aparelhos devoradores de energia, transportes irracionais, etc. Uma mensagem que, pelos vistos, escapou ao deputado Rui Vieira (PS), presidente da comissao parlamentar de Assuntos Economicos, que minutos depois diria não compreender a razão pela qual, com tantos problemas com o efeito de estufa, o actual Governo "desistiu do recurso a energia nuclear".

0 "casamento" dos polfticos com a ciência parece estar ainda a dar os primeiros passos entre nós. Esta semana, no decurso da iniciativa presidencial 'Roteiro da Ciência', Cavaco Silva confessava-se fascinado pela possibilidade de a electricidade de origem eólica poder ser usada, de noite, durante as horas de baixa procura, para bombear agua para barragens, com vista a posterior reutilização. Na verdade, o conceito da contra-bombagem e tão antigo como a barragem do Alto Rabagão: remonta aos anos 60.

Da reunião sairam sinais diversos. A esperança de que Portugal possa vir a ter uma posição de destaque nas energias renováveis, sobretudo sol e ondas (Antonio Falcão, Institute Superior Técnico). Um alerta para os efeitos perversos na agricultura e na biodiversidade da produção em massa de biocombustiveis (Tiago Rodrigues, IST).